O elevado valor do património natural do arquipélago da Madeira serviu de inspiração para uma nova encomenda dos CTT Correios de Portugal de três selos e um bloco filatélico a Fernando Correia, diretor do Laboratório de Ilustração Científica (LIC) do Departamento de Biologia (DBio) da Universidade de Aveiro (UA).
O arquipélago da Madeira é considerado um hotspot de biodiversidade no oceano Atlântico, explica o diretor do LIC e docente do DBio. Pertence à região biogeográfica da Macaronésia, com um elevado número de endemismos e habitats ricos, assim como, uma grande diversidade de espécies terrestes e marinhas. Estão identificadas mais de 7000 espécies e subespécies de organismos terrestres no arquipélago, como fungos, plantas e animais, dos quais cerca de 1200 são exclusivas daquele território.
O trabalho foi concluído em maio e foi disponibilizado a 8 de setembro. Os selos mostram ilustrações do caracol-das-desertas, Discula lyelliana, um dos primeiros caracóis a figurar em selos nacionais – de acordo com o autor das ilustrações que estudou todos os selos já editados em Portugal e dedicados a património natural – a osga-das-selvagens, Tarentola bischoffi, lagartixa-da-madeira, Teira dugesii, e o bloco ilustra a tarântula-das-desertas, Hogna ingens.
O caracol-das-desertas é terrestre e endémico das ilhas Desertas, conhecendo-se apenas uma única população na natureza, explica Fernando Correia. “Espero que a sua população que se resume a pouquíssimos indivíduos consiga sobreviver e que esta minha ilustração contribua para enfatizar o gravíssimo problema que temos em mãos e se centra na crescente perda de biodiversidade”, comenta. Ocorre numa área de vegetação rasteira da Deserta Grande, podendo ser encontrada debaixo de pedras ou associada aos caules do feto comum. Este caracol está ativo principalmente durante o período noturno, altura em que a humidade é geralmente mais elevada, podendo ser encontrado a vaguear por entre as pedras e a manta morta. Tem uma dieta detritívora, alimentando-se de matéria animal e vegetal morta que prolifera no solo. A predação por ratos domésticos bem como a perda e a degradação do seu habitat por ação das cabras asselvajadas são, a par do baixo efetivo populacional e da reduzida área de distribuição, as principais ameaças à conservação desta espécie, a qual está avaliada como Criticamente Em Perigo (CR).
A osga-das-selvagens é uma espécie de réptil endémica das ilhas Selvagens, ocorrendo nas três ilhas: Selvagem Grande, Selvagem Pequena e Ilhéu de Fora. É um animal crepuscular e noturno. Está classificada com o estatuto Vulnerável, no Livro Vermelho dos Vertebrados (LVV) de Portugal. Neste caso, “quis apostar numa retórica de impacto visual e, ao focar a atenção sobre a parte anterior deste réptil, criar uma empatia de forma automática e subconsciente, graças ao semblante típico dos geckos (já que as osgas são da mesma família) onde se evidenciam uns olhos enormes e uma boca cuja comissura bucal simula um sorriso — um design estrategicamente utilizado com tanto sucesso no estilo gráfico japonês, “manga”. Trata-se assim de mais uma estratégia para ganhar a batalha da sensibilização e consciencialização para a sua conservação, dada a sua singularidade demonstrada em vários campos”, afirma o autor.
A primeira aranha em selos dos CTT
Quanto à lagartixa-da-madeira, o autor diz ter-se socorrido de uma base fotográfica extensa, resultado de suas viagens às ilhas. “O que me espantou sempre foi o seu polimorfismo de padrão e cor de escamas, sendo os machos mais vistosos. Aqui mais uma vez procurei ir contracorrente (geralmente o ilustrador escolhe o mais vistoso) e apostei no detalhe das suas escamas, do fulgor amarelado dos seus olhos e desafiei-me a ilustrar o negro, somatório de muitas outras cores. Quis ainda eternizar o momento em que o animal se expõe muito fugazmente ao sol escaldante do meio-dia, durante as suas patrulhas de território, para simplesmente não ‘torrar’, uma vez que o a cor predominantemente negra, ligeiramente pontuado a branco, absorve a radiação térmica com elevadíssima eficiência.”
Para o bloco filatélico, Fernando Correia escolheu uma aranha-lobo. “Pela primeira vez, os CTT arriscaram ilustrar um selo com aranhas, sendo um risco comercial, dado tratar-se de um ser vivo pouco apreciado pelos humanos — “Quem nunca ouviu falar em aracnofobia?”, questiona o biólogo e ilustrador. “Quis a sorte que me calhasse ilustrar uma das maiores, mas também mais ameaçadas aranhas-lobo do mundo – a tarântula-das-desertas”. Neste selo a aranha tem quase o seu tamanho real, “o que me permitiu detalhar toda complexidade da sua morfologia e anatomia – como sejam os vários olhos simples ou as quelíceras bucais”. O undo cénico, semi-estéril de um deserto, mostra o único local onde se encontram estes predadores de emboscada — o Vale da Castanheira, no extremo norte da Deserta Grande, mas das três ilhas que compõem as Desertas e, mais ao fundo no horizonte, para acentuar o rigor científico e geográfico, a Ponta de São Lourenço da ilha da Madeira. O número de adultos foi estimado apenas em pouco mais de 4000 indivíduos, tornando-a assim numa das espécies mais raras de aranha-lobo e estando, por isso, listada como “Criticamente em Perigo CR)” pela International Union for Conservation of Nature (IUCN).
Eficazes meios de sensibilização e comunicação
O ilustrador responsável por esta nova emissão filatélica tem criado vários selos postais e etiquetas autoadesivas, não só para os CTT Correios de Portugal, mas também para os serviços postais das Nações Unidas, ao longo da última década e como deu a conhecer na exposição “Selos Postais – 55 anos de alertas contra a extinção e a perda de biodiversidade” autor tem defendido: “Os selos postais, apesar das suas diminutas dimensões, são peças comunicacionais cujo valor e propósito excedem em muito a franquia que agiliza as comunicações, autorizando o seu transporte de A para B. Atualmente e na essência, mais do que uma peça nesse processo logístico, o selo transformou-se numa unidade comunicacional própria e autónoma, criando um novo paradigma e encerrando em si próprio muita informação pertinente e diversificada. No campo que mais me toca, a Biologia, os selos têm demonstrado erem eficazes embaixadores e dignitários que chamam a atenção sobre as espécies endémicas e todas as restantes que estão ameaçadas de extinção — quase sempre as missões filatélicas mais apreciadas pelos filatelistas e por todos aqueles que apreciam selos postais, em Portugal e no Mundo.”
Texto e foto: UA