Um estudo inovador, com autores do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM) da Universidade de Aveiro (UA), quantifica, à escala mundial, a capacitação científica conseguida ao longo dos últimos 50 anos para a descoberta de novos produtos naturais de origem marinha. O estudo foi publicado na conceituada revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).
A ferramenta desenvolvida será essencial para providenciar dados para negociações políticas internacionais e para avaliação do sucesso da implementação do Protocolo de Nagoia no âmbito da Convenção da Biodiversidade Biológica.
A biodiversidade marinha tem um enorme potencial para a biotecnologia azul, constituindo um incrível reservatório de recursos genéticos e biológicos passíveis de serem usados, por exemplo, na indústria farmacêutica, cosmética e nutracêutica. “O aumento de interesse nestes produtos e o facto de serem bioprospetados maioritariamente por países desenvolvidos, e não necessariamente pelos países onde o material biológico é recolhido”, explica o investigador Miguel Leal, do CESAM-UA, tem levantado a vários problemas legais, nomeadamente relacionados com os benefícios resultantes da utilização destes recursos.
Esta problemática consta da Convenção da Biodiversidade Biológica implementada em 1993, e mais tarde pelo Protocolo de Nagoia. Este Protocolo fornece orientações práticas de como deve funcionar o processo de acesso aos recursos biológicos e a partilha dos benefícios resultantes da sua utilização e dos conhecimentos a eles associados. Um dos aspetos chave deste Protocolo é capacitar os países de origem dos recursos para que estes os possam explorar de forma sustentável e tirar partido dos seus benefícios. Contudo, medir a capacitação desses países é uma tarefa
complexa e para os quais existem poucos dados.
O artigo “Fifty years of capacity building in the search for new marine natural products” mostra como a capacidade de melhoria de conhecimento, eficácia e independência científica dos países que realizam bioprospecção tem mudado desde 1965. Os autores desenvolveram várias métricas relacionadas com o país de origem do composto e afiliação dos autores do artigo que o descreveu.
Capacidade económica afeta capacidade de exploração de recursos .Apesar de existirem esforços de longa data para capacitar países em desenvolvimento com áreas marinhas que apresentam elevados níveis de biodiversidade, assim como para promover a independência científica, os resultados obtidos demonstram que nem todos os países são capazes de explorar os seus recursos biológicos marinhos de igual forma, assinala o investigador. Para além disso, acrescenta, o estudo evidencia que a capacidade económica afeta a forma como países com elevada biodiversidade
marinha conseguem efetivamente explorar esses recursos. A título de exemplo, países como a India, Indonésia e Palau demonstraram uma maior capacidade científica após 1993. Apesar de países como Austrália, Estados Unidos da América e Japão continuarem a manter uma posição científica dominante nesta área de investigação antes e depois de 1993, a China é quem mais se tem desenvolvido em termos de capacitação e independência científica.
A equipa de revisores do artigo considerou que, uma vez que o artigo fornece dados mensuráveis e comparáveis entre países de todo o mundo, é expectável que estes resultados possam vir a influenciar negociações políticas internacionais de alto nível que ocorrem atualmente no âmbito do acesso e partilha de benefícios associados à exploração de recursos biológicos.
O estudo é liderado pelo investigador Miguel Leal, do CESAM-UA, em coautoria com Ricardo Calado, membro da mesma unidade de investigação. A equipa inclui ainda dois professores eméritos da Universidade de Canterbury (Nova Zelândia), pioneiros na pesquisa de compostos naturais de origem marinha.